quarta-feira, 16 de abril de 2014

Questão de identidade, questão de classe

Notícias sobre violência ou preconceito contra nordestino sempre deixa os nordestinos em pé de guerra contra os skinheads tupiniquins. Basta sair uma notícia de preconceito que logo surgem as manifestações ufanistas do norte. Se um paulista racista declara que deve-se matar todos nordestinos, os baianos advogam com nomes como Castro Alves, Rui Barbosa, os pernambucanos, maranhenses, piauienses mostram o passado de luta com as revoltas históricas.
Mas me parece que nesse perrengue tem um hiato. Estão, de fato, os paulistas unidos contra os nordestinos, e os nordestinos estão unidos pelos nordestinos retirantes???
Em geral, os paulistas xenófobos têm preconceito muito mais de classe que regional. O ódio contra os nordestinos é direcionado para aquele paraibano, cearense, sergipano que sem oportunidades de trabalho em sua terra, ele migrou para São Paulo. Todos sabem que há na região de Piratininga uma oferta de trabalho bem maior que em todo brasil. O nordestino que foi para a terra da garoa é aquele que não completou o Ensino médio, ou quiçá o fundamental. É aquele produtor que perdeu tudo em uma grande estiagem, e soube que na grande capital financeira do país, ele pode fazer dinheiro.
A “ilusão” de fazer dinheiro, na verdade não é ilusão. Quem fala que é ilusão não sabe ver de acordo com a óptica do migrante. Fala-se que esse trabalhador não vai melhorar de vida, pois as oportunidades em São Paulo são para viver em condições pobres. Isso, em geral, é dito por intelectuais que consideram os empregos que os nordestinos conseguem como empregos inferiores. Ok, seu dotô, vai pra o sertão da Bahia e do Ceará e conheça os ganhos que esse migrante tinha e compare com a FORTUNA que ele faz na construção civil. – Mas esse é assunto para outro post.
Assim como os paulistas preconceituosos acham que todo nordestino é ignorante, os baianos que defendem a honra do norte não são da mesma classe social desses migrantes. Os pernambucanos que se engajam na defesa dos seus conterrâneos alagoanos são os mesmos que possuem os latifúndios no interior e provocam a pobreza de sua gente. São os mesmos que colocam seus filhos nas escolas particulares, pois têm preconceito com os pobres ignorantes de sua cidade Natal (RN).
Esses nordestinos que se arvoram em defender “seu povo”, caso venham a São Paulo, perceberão o discurso diferente para eles. Chegarão a se identificar com seus irmãos de classe  paulistas. Entenderão, e até propagarão o preconceito contra aquele paraíba que atrapalha a vida progressista paulistana.
Perceba, assim, que o nordestino não se une realmente com outro nordestino, mas a classe dominante se une à classe dominante. A luta real não é de região, mas de classe. Um soteropolitano da Graça não vai preferir ficar hospedado no Jardim Ângela na casa de um nordestino só porque esse era morador do Nordeste de Amaralina. Mas ele vai se sentir melhor numa casa de um paulista “branquelo” com sobrenome italiano que more no Morumbi.
O nível de ganância humana é tal que as pessoas sempre se unem em torno da defesa de sua condição social. Durante o século XIII, na guerra de independência da Escócia, os príncipes escoceses que inicialmente deram apoio aos camponeses de sua pátria que eram oprimidos pelos ingleses, quando perceberam que esses camponeses queriam acabar com as regalias reais, abriram mão de sua identidade pátria e se aliaram aos príncipes ingleses.
O mesmo se deu em várias revoltas brasileiras. Grupos que desejavam maior autonomia na colônia, quando perceberam que junto com suas lutas poderiam haver emancipação de escravos, logo deixaram sua luta e abandonaram os conterrâneos de classe inferior, Beckmann, Balaiada, Alfaiates, Inconfidência. No século XX, no Brasil, grupos militares e conservadores se aliaram ao discurso anticomunista dos estadunidenses e torturaram e mataram seus conterrâneos.
Pois bem, a luta por identidade é muito mais uma luta por manutenção de classe, que uma luta por defesa de seus irmãos nativos. Não existe nacionalidade que esteja desassistida de um projeto de divisão de classes. Na história estuda-se que todos tentam construir uma identidade com algo, e o mais forte desse algo de identidade é a classe social.
Termino esse texto com uma frase desgastada, desacreditava, mas que ainda vive:

PROLETÁRIOS DE TODO MUNDO, UNI-VOS.

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