quarta-feira, 23 de maio de 2012

Calvino e a Resistência ao Estado

Resenha pessoal do livro de SILVESTRE, Armando, editado pela Mackenzie, 2002. [ATENÇÃO ESSA RESENHA NÃO TEM CARÁTER ACADÊMICO, MAS APENAS INFORMATIVO]

A cidade de Genebra se tornou o refúgio dos protestantes na Europa do século XVI, a reforma naquela cidade provocou a derrota dos antigos líderes (o Duque de Savoy) que estavam ligados à igreja romana. O povo genebrino não mais iria se submeter a um governo tirânico. O que seria um contra-senso aceitar que Calvino, um estrangeiro teria sido um governante ditador como insistem em afirmar diversos historiadores. Contudo, este historiador se nega a repetir esse preconceito não acadêmico.
Na verdade, pode-se encontrar em Calvino o espírito de submissão à vontade de Deus, mas de atitude ativa para lutar contra os pecados, quer sejam do povo, quer sejam do governo.
Genebra
Quando a cidade de Genebra aderiu ao protestantismo, o duque de Savoy cortou o abastecimento à cidade. Foi um período de crise, por isso, a pregação de Calvino contra gastar superfluamente tinha sentido de salvaguardar a economia da cidade. Em meio à crise enfrentada, houve em Genebra uma alta de preços por "especuladores", um grande afluxo de estrangeiros que viam a cidade como um refúgio para os não católicos, uma especulação financeira, febre por negócios e consequente paixão pelos jogos, assim se compreende também porque Calvino combatia os jogos, pois estes eram frutos de pessoas que exploravam as condições sociais da cidade. 
Desta forma o proletariado cresceu, e com eles as agitações sociais e econômicas. A reforma religiosa alterou o comércio de Genebra, deu fim ao comércio de relíquias, venda de crucifixos e objetos de adoração, mas por outro lado, para manter viva a economia, desenvolveu a arte relojoeira, assim, surgiu a tradição do relógio suíço. 
Um retrato de Calvino
Sua influência agia mais no discurso religioso, do que o uso direto da força do estado. A figura de Calvino é de um homem que resiste aos poderes instituídos, houve um tempo que o governo de Genebra o proibiu de pregar, ele desobedeceu e foi expulso da cidade.
Calvino não usava de sua autoridade pastoral para influenciar diretamente a política, isto pode ser observado em análise de seus sermões. Embora suas palavras devessem ter influenciado indiretamente.
Teoria da resistência
Aqui temos dois momentos sobre o pensamento de Calvino, inicialmente, até 1543 Calvino apresentou a seguinte visão:
Primeiramente vejamos o seu conceito de "Desobedecer", que para ele não era insubmissão ou transgressão da lei, mas desobedecer é não ceder à vontade das autoridades, assim, neste sentido, não era errado desobedecer às autoridade conforme ele poderia sugerir.
Calvino entendia que as ordens ímpias deveriam ser combatidas por meio de orações e até mesmo sofrimento; seu ensino até aqui é um tanto de aceitação da situação, um combate pacífico, assim como no século XX Ghandi desafiou ao seu povo resistir sem violência à Inglaterra. Calvino parecia entender que era melhor a tirania sofrida que a anarquia desordenada.
Calvino também recomendava que as intenções religiosas dos políticos deveriam ser algo de desconfiança; o povo não deve se deixar levar pela aparente fé dos políticos, mas deveria saber separar as intensões religiosas das pretensões políticas.
Calvino chegou a dizer que "aqueles que governavam com injustiça [...] foram elevador por Deus [...] para punir as impiedades do povo"; posso dizer aqui que o ditado "cada povo tem o governo que merece", pode ser entendido nessa postura do reformador; todavia, como veremos, os calvinistas mais radicais não aceitavam que Deus se servisse de atos pecaminosos para governar o povo.
Entretanto, por outro lado, Calvino parecia compreender o perfil profético da Igreja em combater os pecados pessoais ou governamentais: A Igreja deveria reiterar a justiça do Estado, de que este deveria proteger os fracos, os oprimidos e explorados pelos ricos, os que estão fora das organizações sociais. Já percebemos um dualismo na posição de Calvino; um contraste em defender a justiça e aceitar um governo.
Calvino, como líder religioso, cumprindo um papel profético do Velho testamento, denunciava os ricos exploradores da miséria, e que quando o Estado se calava, ele era julgado pelo pecado de omissão, assim Calvino dizia que o Estado se tornava um destruidor da justiça a qual ele deveria defender. 
Para exercer o seu papel de regeneradora da sociedade, a Igreja pode tornar-se um elemento de perturbação social contra qualquer governo que trabalhe injustamente; a Igreja deveria se insurgir contra toda ordem que perverte a sociedade, mesmo que essa ordem seja um governo "instituído por Deus".
Então em 1543 Calvino passou a defender uma postura mais radical (?)
"O magistrado foi instituído por Deus para a honra das boas obras e o terror das más [...] se ele passar a ser um terror para as boas obras e uma honra para as más [...] não pode mais ser considerado uma autoridade instituída por Deus; desta forma, podemos entender que uma ação contra esse estado, deve ser vista como o braço da justiça divina.
Calvino disse: "O rei excedeu os seus limites, e não apenas foi perverso contra os homens, mas, ao erguer suas trombetas contra Deus, também ab-rogou seus próprios poderes"; erguer-se contra Deus é uma desobediência de cuidar do povo. Quando Calvino proclama isto, está profeticamente excitando o povo para resistir ao Governo, pois este já não é obediente a Deus, e mais vale obedecer a Deus que aos governos.
E ainda, ao passo que afirmava que resistir às autoridades era resistir a Deus, afirmava que Deus enviaria uma punição aos maus governantes, assim, entendia que Deus levantaria vingadores contra o governo. Pode-se observar que há uma certa confusão entre os limites da legitimidade de um governante e da oposição a ele no pensamento de Calvino.
Calvino afirmava que Deus se serve de governantes injustos para punir os pecados do povo, mas também entende que estes serão punidos por meio de revoltas ou guerras provocadas pela sua incompetência. Apesar de ter afirmado que é melhor sobre a tirania que viver na anarquia, há momentos em que a maldade de um governo é pior que a revolta contra este, a obediência às autoridade tem limite.
O Calvinista escocês, John Knox, defendia que a nobreza deveria assegurar a proteção do povo contra governos tirânicos (parece interessante, mas difícil de ver concretizado, nobres combatendo o governo a favor dos pobres).
E nessa linha radical, calvinistas foram mais intrépidos que Calvino na resistência ao Estado. Alguns entendiam que era uma blasfêmia aceitar que um estado criminoso fosse considerado da vontade de Deus. Os cristãos deveriam resistir e destituir qualquer força estatal que praticasse a corrupção e não honrasse ao Deus da Bíblia. Calvinistas chegaram a defender a resistência democrática ao Estado. Se o povo se unia contra o Estado, eles eram a autoridade suprema para estabelecer a vontade de Deus.
Assim, esta obra de Silvestre deve ser lida por todos calvinistas que precisam ver no seu patrono da fé reformada um teólogo que foi muito mais além das limitadas paredes da Igreja calvinista moderna. Calvino foi um teólogo ao seu tempo, falou sobre as necessidades do seu tempo e combateu as injustiças seculares do seu tempo. Calvinista não é aquele que defende predestinação, mas sobretudo aquele que se vê como instrumento de Deus para transformação da sociedade.
Esta obra deve ser lida também por militantes marxianos, que devem conhecer o teólogo Calvino não pela ótica dos leitores de Weber (Ética Protestante), mas um Calvino com uma ética revolucionária, um pregador que excitou seus seguidores diretos à revolta contra governos "totalitários" e corruptos.
Calvino, precisa ser estudado não como um formatador para a Igreja, mas como um Reformador para a sociedade. Calvino não deve ser patrimônio da igreja protestante, ou da religião (limitada dentro de um universo eclesiástico), mas Calvino é um humanista do século XVI que deve ser relido para possibilitar uma revolução no pensamento político moderno, um despertador para os proletários, um idealista para os sindicatos.

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