quinta-feira, 28 de junho de 2012

Cristianismo & Capitalismo - Resenha

Rousas John Rushdoony escreveu uma pequena obra intitulada Cristianismo e Capitalismo, este material está disponível no site www.monergismo.com . Acabei de lê-lo e achei muito interessante falar sobre ele. Trata-se de uma obra que expressa vários estereótipos conservadores cristãos. Lembrando que devemos entender que esses estereótipos são de origem estadunidense protestante-puritana, o excesso de rótulos serve para limitar o recorte temático do grupo cristão que me refiro, pois não é certo fazer generalização sobre nada.
A obra inicia falando sobre a noção de ganhar recompensa, buscando desconstruir o conceito moderno que entende a recompensa como algo que educa mal as crianças, pelo contrário, para o autor, a educação por meio da recompensa não é negativa. Rushdoony considera que a recompensa leva a competição e disciplina, que ele crê ser algo sadio. Ele enfatiza que a competição ajuda a construir o caráter. Claro que vale alfinetar que o caráter pode ser construído bem, ou mal.

Em seguida, Rushdoony defende que a competição é o mesmo que a cooperação mútua, partindo do pressuposto que os competidores, em questão, pertencem a uma mesma vida religiosa (uma mesma fé) e que irão competir para edificarem-se. Rushdoony diz que a cooperação funciona quando um confia que o outro compete honestamente, ou seja, indo mais propriamente para o assunto que será abordado, capitalismo, quando a competição no comércio é feita de forma leal.
O autor segue agora para uma construção religiosa da apologia à competição. Afirma que o pressuposto da competição foi imposto por Deus, que no decálogo, estabeleceu recompensas e punições baseado na obediência ou desobediências às suas Leis. Ele chega a afirmar que pensar contra essa interpretação é ir contra Deus. 
Desenvolve ainda a ideia de que a liberdade que o homem possui é para competir livremente e ser responsável pela punição que justamente deve receber com seu fracasso na competição. E por inferência, essa ideia insufla que viver sem a competição é escravidão, visto que Deus deu a lei ao povo recém liberto do Egito. As relações que ele constrói sobre escravidão e liberdade estão resignificadas para ensinar sobre competição, pois quando ele fala em liberdade ou escravidão aplica s termo de liberdade para competir, quando que em geral, quando se fala sobre liberdade na teologia, se fala da liberdade do mundo do pecado, e teologicamente, cobiça, ganância, e o conceito de querer ganhar dos outros são tipos de pecados que escravizam o homem.
Segue então, uma apologia direta ao modelo competitivo americano. Ele inicia enfatizando um senso comum sobre liberdade, de que liberdade é viver sem lei, e então, passará a dizer que viver sem lei é sem a lei que regula a competição. Sempre usando textos bíblicos, procurando fundamentar sua tese como cristã bíblica. 
Rushdoony já pressupõem que o comunismo é algo negativo. Embora, não teça nenhuma explicação sobre o mesmo, mas apenas adverte que qualquer alteração à obediência à lei que regula a competição do comércio é um ataque à plena liberdade que leva a vida plena e feliz. Neste ponto, Rushdoony usa termos que podemos identificar a sua apologia ao modelo estadunidense de supremacia sobre o mundo, pois o que os estadunidenses fazem é exercer sua liberdade em estar à frente na competição capitalista. Não podemos ficar sem lembrar do "Destino Manifesto" que os pais estadunidenses desenvolveram para justificar o paternalismo estadunidense sobre o mundo. Ele cita um dos fundadores da nação dos Estados Unidos, John Cotton, fala da tradição de uma educação americana consciente de sua herança divina, e quase que cita o juramento à bandeira dos Estados Unidos. Rushdoony pressupõem que os Estados Unidos são uma nação que vive sob a liberdade de Deus, pois vive a competir, quanto que viver diferente é a anarquia e tirania.
Em seguida, desenvolve um aspecto clássico dessa apologia estadunidense sobre o sistema de vida desta nação. 
Lembremos que nos evangelhos há uma enorme quantidade de textos que Jesus ensina que os ricos dificilmente entrarão no Reino de Deus, e que os pobres são mais felizes. Assim, para manter-se cristão sem contradizer esse ensino de Cristo, Rushdoony precisa encontrar um sentido alegórico para as palavras de Jesus. Então, usando a interpretação tradicional puritana conservadora de que Jesus está falando apenas de conceitos espirituais e não material. Segue ainda ao ponto de afirma que Jesus defende a aquisição de riqueza.
Passa-se a defender que a riqueza é moralmente boa, falando contra o amor ao dinheiro, mas ao invés de explicar como compreender essa possível contradição de ser moralmente boa a riqueza e não amar o dinheiro, novamente, ele aponta seu foco contra comunistas, que agora ele chama de socialistas, diz apenas que este grupo também ama o dinheiro.
Segue para um capítulo que diz que o trabalho leva a capitalização, ou seja, a noção de que trabalhando podemos enriquecer. Ensina que se a pessoa trabalhar com diligência, como os puritanos do século XVII, e que sem gastos com lazer, ele ira acumular. E como ele usa o exemplo dos puritanos, coroa sua afirmação dizendo que o capitalismo é o produto do cristianismo. E que uma das coisas que a fé cristã promove é o enriquecimento material de uma nação, por contra partida, ele já afirma que socializar essa riqueza é um colapso da fé e do caráter. Rushdoony parece usar palavras que no senso comum refletem um espírito nada cristão, quando chama de inimigos os socialistas que, segundo ele, são pessoas sem caráter porque no marxismo há a socialização dos bens.
Em seguida, ele mina diretamente o chamado socialismo, equiparando-o com a inflação. Afirma que a inflação que atinge aos Estados Unidos é por causa de maus cristãos que preferem usufruir dos prazeres que trabalhar em prol da família. E diz, sem apresentar dados que o socialismo contribui para o aumento da pobreza no mundo.
Por fim, Rushdoony precisa reinterpretar a maior lei do cristianismo: "Amar". E não mede as palavras em afirmar que amor é um ato que se direciona à Lei Moral e não ao bem-estar do próximo. Usando disto, ele argumenta que amar de verdade é cumprir a tábua da Lei: não matar, não adulterar, não roubar, não cobiçar etc. 
O que de fato é verdade, e que se fôssemos interpretar essa lei veríamos que as relações entre pessoas segue como superior às relações de propriedade ou competição, é a vida humana de nosso próximo que vale mais que qualquer outra coisa. Porém, o autor interpreta que amor não é compartilhar de suas riquezas, mas é manter a ordem em que tudo se encontra.
Quais pontos podemos falar sobre essa apologia do livro Cristianismo e Capitalismo? O autor não fala sobre a política etnocentrica dos EEUU contra todos países do mundo, usar nações pobres como zona de influência, para que não se desenvolvam como eles, mas que continuem a fornecer matéria prima e, principalmente, consumir produtos estadunidenses.
Não fala sobre as invasões estadunidenses sobre nações árabes, ensinando combater a tirania, mas permanecendo em suas terras para usufruir do petróleo, a fim de alimentar a competitividade das empresas de combustível.
Mas mais grave desse texto está na resignificação dos conceitos sobre riqueza e pobreza para dar paz de consciência aos estadunidenses capitalistas. E o que dizer da prática da igreja em distribuir os bens conforme a necessidade? Não vemos os apóstolos protegendo a competitividade entre os irmãos, mas socializando bens de uns para com os outros. - Segundo Rushdoony isso não é cristão, isso é descapitalizar, porém, ele sequer fala dessa passagem bíblica.
Ainda sobre a obra, o texto foi editado em inglês em 1960, uma época que o defensor do modo de vida estadunidense precisava combater os "comunistas" que passavam a conquistar adeptos em todo mundo na chamada guerra-fria. Não podemos esquecer que neste período, se popularizou a política chamada de Macartismo, uma espécie de plano do governo estadunidense em caçar comunistas. 
Assim, esse texto poderia ser apenas o reflexo de uma obra antiga que pertenceu ao seu tempo, se não houvesse hoje em dia pessoas, inclusive brasileiros, que defendem esse modelo nitidamente propagandista e nenhum pouco cristão no que se refere às palavras de Jesus: dê a sua face a quem o fere, ande uma milha com quem te importuna, dê seus bens essenciais à quem te pede.
Por fim, combatendo esse livro pseudo reformado, com as próprias palavras do reformado João Calvino, veremos o quão distante está esse capitalismo esboçado do verdadeiro cristianismo protestante calvinista. Calvino, em seu comentário sobre II Coríntios 8, fala que Paulo encoraja aos coríntios em arrecadar dinheiro para ser distribuído e suprir necessidades dos demais. Calvino é atento em criticar a demagogia dos cristãos que falam bem da caridade, mas no fundo, no fundo, são mesquinhos: "ainda que seja universalmente consensual que é uma virtude louvável prestar ajuda ao necessitado, todavia nem todos os homens consideram o dar como sendo uma vantagem, nem tampouco o atribuem à graça de Deus. Ao contrário disso, acreditam que alguma coisa sua, ao ser doada, perdeu-se."
E ainda, sobre a falsa fama de Calvino em idolatrar o trabalho, ele fala contra o frenesi de trabalhar para acumular como sendo uma falta de confiança em Deus, uma ganância de sempre ter mais. Calvino contraria essa ética do trabalho que visa ao enriquecimento enobrece, pois ao invés de buscar lucrar ininterruptamente, poder-se-ia gastar tempo em prática de beneficência altruísta.
Contra a ideia de Rushdoony sobre as vantagens e bênçãos em ser rico, Calvino lembra que muitos pobres, "que dão de seus minguados recursos se mostram condescendentes além de suas possibilidades uma vez que de seus pobres meios ainda fazem alguma doação a outrem." - Como aceitar que por meio do acumulo de capital possa existir o verdadeiro espírito cristão? Quando que podemos interpretar que por meio de uma socialização, um "comunismo" a justiça, o amor se preservam.

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