sábado, 23 de junho de 2012

Piedade Pervertida - resenha

O reverendo Ricardo Quadros Gouvea escreveu um livro chamado Piedade Pervertida, nele, o autor faz uma apologia contra o espírito fundamentalista
reinante no meio evangélico brasileiro, mostrando que a linha majoritária protestante é de tendência fundamentalista.
O texto apresenta um caráter pessoal de crítica, apesar de estimar muito a temática e o autor, acho que ele escreveu uma obra carregada de suas paixões e bem tendenciosa para condenar o fundamentalismo (que deve mesmo ser condenado). - Deixo claro que apoio o autor completamente, mas não posso deixar de destacar a forma romântica de se expressar.
Não quero de modo algum desabonar sua obra por esse aspecto, até porque, embora a academia condene uma postura tão apaixonada por expor um tema, não podemos esquecer que ninguém consegue separar sua experiência pessoal de sua linha de pensamento.
E que confesso, precisamos ouvir um discurso apaixonado contra o fundamentalismo que parece reinar nos corações de verdadeiros servos de Deus. Precisamos apaixonadamente libertar a igreja de Cristo do fundamentalismo que só destrói mentes e corpos de pessoas.

O texto quer mostrar como o fundamentalismo religioso protestante age de forma parecida com a inquisição católica medieval. Inúmeras vezes o autor usa o termo "Inquisição sem fogueiras" uma referência à obra magistral de João Dias de Araújo que escreve um relato da perseguição fundamentalista na Igreja presbiteriana do Brasil no período do golpe militar de 1964. A Intensão de Gouvêa é apontar que apesar de não usar da força física (teoricamente) os protestantes brasileiros usaram do poder da palavra para execrar os heréticos.
[Quero aqui fazer uma possível defesa aos ignorantes fundamentalistas. O fundamentalista ele precisa ser visto como um pobre cristão que sem saber ler as realidades sociais dos textos sagrados, desvirtuou o sentido do texto, esqueceu de que havia um contexto social e próprio da época que envolveu a escrita do texto. Esse fundamentalista enxerga que defender doutrinas "corretas" (aos olhos dele) é mais digno para Deus do que se aproximar de pessoas oprimidas e consideradas, por ele, como mais pecadoras.]
Gouvêa entende que as Igrejas evangélicas deixaram de ser protestantes, pois engessando a doutrina que dizem ser protestante, abandonaram o sentido protestante de protestar.
[A experiência de Gouvêa está dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil, por isso pode-se perceber que certas ideias do livro são direcionadas, ou melhor, entendidas nesse contexto.]
Gouvêa toma a figura do calvinismo, usada como doutrina fundamentalista pelos fundamentalistas, mas Gouvêa mostra que ignorantemente os calvinistas não perceberam, ou quiseram não perceber que sempre existiram diversos calvinismos e não apenas o que foi tomado como verdadeiro e fundamentalista, a saber: os 5 pontos do calvinismo e a Confissão de Westminster. Isto demonstra "uma total falta de consciência histórico-cultural" típica de fundamentalistas.
Gouvêa enfatiza que a "teologia da igreja foi engessada, cristalizada, e é servida pronta e acabada aos crentes, como se fosse alto perene e inquestionável", esse conceito entende que a teologia não é uma produção humana, mas uma produção divina, junto com a Bíblia e que ser questionada é questionar a Bíblia, ou melhor o próprio Deus. Quando que vemos na história da Igreja que a teologia é uma reflexão humana sobre as coisas de Deus.
O livro aponta para 3 pilares do fundamentalismo: Sectarismo, que é o não envolvimento do crente com a sociedade. Ostentam, orgulhosamente, jargões chamados de evangeliquês, usam das artes exclusivamente como meio de proselitismo (condenam a arte como arte, ou seja, não se valoriza os aspectos artísticos, mas apenas o desempenho proselitista dos artistas), pregam a religião individual e prospera, ao contrário da religião engajada com a busca da dignidade do semelhante e sua volta ao Deus da justiça. Legalismo, regras de conduta para cumprir a lei de Deus. Dogmatismo, desenvolvem um modo de pensar que confunde o que é de origem divina daquilo que é de tradição humana. 
Gouvêa adverte que existe quem se diga cristão, mas não é de fato, outra cultura fundamentalista. Os evangélicos são muito ingênuos, pois acreditam que ser membros de igreja torna alguém um exemplo de fé e por isso é tomado como exemplo, ou cobrado para ser assim, formando a ética hipócrita de uma piedade fundamentalista baseada da falsa presunção de santidade.
As igrejas são vistas como religiões cristãs-pagãs, são religiões sem princípios éticos, que impões regras de controle de seus membros. Por exemplo, Cristo foi direto quando disse que o sábado (dia sagrado) foi feito para o homem, e não o contrário, por isso, não deveria servir de peso para a vida espiritual, há porém cristãos que fizeram do domingo cristão um novo e pesado mandamento de guardar o sábado. 
As igrejas não são mais engajadas em mudar o mundo, estão ensimesmadas com o crescimento denominacional.
Os pastores são o grande ponto de força para o fundamentalismo. Criou-se uma casta de sacerdotes chamada de pastores, quando a ideia neotestamentária é que pastor é um dom que qualquer pessoa poderia ter (homem ou mulher), mas que por meio da imposição de mãos de um grupo líder tornou-se um oficio, em alguns casos uma ordem, ou um sacerdócio.
Os pastores se utilizam da teologia para propagar seu fundamentalismo. Quando que, ao contrário, o papel do teólogo deveria ser de repensar a tradição teológica e levar o povo a desenvolver a sua fé constantemente, nunca parar, mas sempre seguir para o alvo, que nunca julgamos tê-lo alcançado.
Por fim, Gouvêa apresenta características para minar o fundamentalismo. Ele enumera pontos contrastantes com a fé cristã e a fé cristã fundamentalista.
Tolerância e intolerância, o verdadeiro amor é tolerante, ele se coloca no lugar do outro, na condição do outro, física e social, mental, educacional, existencial, e posso dizer, sexual e racial.
Diálogo e sectarísmo, o não diálogo é um direito, mas deve-se perceber que esse comportamento nos leva ao sectarismo, o protestantismo vira uma fábrica de seitas. O sectarismo entende que o Reino de Deus está no parâmetro de sua interpretação teológica denominacional. Proibições de conversas com religiosos diferentes, ou leituras diferentes, são combustíveis para alimentar o sectarismo religioso.
Neste ponto Gouvêa aponta para o papel formatador que muitos seminários teológicos pratícam. Excesso de cobrança de leitura por exemplo, mesmo que se selecione leituras consideradas intelectuais e críticas, a forma de cobrança é tão violenta e massiva que o estudante não tem tempo para fazer um pensar sobre a leitura, uma reflexão, como toda leitura deveria fazer. Assim, cria-se uma superficialidade intelectual, pessoas que tem conhecimento de "orelha de livro" e acreditam que são estudadas sobre tal assunto.
Clareza e obscurantismo, ainda sobre os seminários, é negado o valor do estudo liberal (no sentido clássico da palavra), fazer do teólogo um especialista em sua ciência, capaz de socorrer necessidades reais da igreja com respostas apegadas à verdade e não à verdade da denominação é visto como negativo para o fundamentalista.
Os seminários possuem em sua grade curricular diversas matérias como sociologia, filosofia, ética, psicologia. Mas estas são vistas como decorativas, são marginalizadas como as matérias superficiais, ou apenas de cunho apologético contra as mesmas matérias. Quando que nelas deveria existir verdadeiros debates acadêmicos sobre a postura do teólogo ante a sociedade, assim como elas de fato o são.
Irênico e belicoso, amar implica em tolerar, ao passo que a ignorância implica em violência. O espírito de apaziguar (irênico) entende que as pessoas são mais importantes que as ideias delas, por isso a tolerância deve ser preferida à paixão pelo próprio conceito.
Confessionalidade e dogmatismo, devemos defender nossa confissão, ela é fruto de nossa reflexão teológica, isto deu origem à confissão de Fe de Westminster, ou aos cinco pontos do calvinismo, ou mesmo ao credo apostólico, mas a idolatria pela doutrina é fruto de uma deturpação do culto devido apenas a Cristo, as igrejas fundamentalistas defendem o dogmatismo como se fossem os deuses intocáveis, assim, a reflexão teológica que cria a confissão é uma monstruosidade.
A Igreja precisa de uma "restruturação da Escola dominical e o revigoramento da atividade editorial, para que não sirvam mais aos interesses dos adoradores da doutrina e sim para uma reflexão teológica.
Humildade e presunção, devemos afirmar que temos a graça de recebermos e estudarmos a Palavra de Deus, mas só Deus pode afirmar conhecer a interpretação correta de todos os versículos da Escritura, e o resto é prepotência humana.
Dignificação da Bíblia e superficialidade da Bíblia, parece que o fundamentalismo, que defende a inerrância, suficiência e inspiração da Bíblia valoriza os estudiosos rasos da Bíblia, ao passo que aqueles que se debruçam com afinco para o aprofundamento das questões gramaticais, históricas, sociais, antropológicas, econômicas, psicológicas e existenciais da Bíblia são vistos como incrédulos. A Bíblia virou um livro mistico, onde o contexto é irrelevante, desde que o dogma e a instituição que o mantém permaneça de pé.
Pluralidade e inclusivismo ou exclusivismo, o cristão do século 21 tem por obrigação defender a democracia e até mesmo o pluralismo religioso e socio-político como males menores, como as formas menos más de convívio sociail.
Mandato cultural e gueto evangélico, a igreja aprendeu a demonizar as questões sociais e ver como sua tarefa principal, ou única, os exercícios internos de desenvolvimento espiritual de jornada para a vida além túmulo: reuniões de estudo bíblico, e reuniões de oração, culto, desde que eles sejam preparatórios para o abandono da vida física e apego da vida etérea. Quando que a justiça social e política deveriam ser parte principal do envolvimento da Igreja cristã.
Responsabilidade e pragmatismo, a igreja precisa se envolver com as responsabilidades sociais à sua volta, mesmo que elas sejam feitas por pessoas não cristãs, não importa, não estamos lutando contra as pessoas,ou partidos políticos e filosofias, estamos lutando contra o pecado, e se há pessoas lutando contra o pecado, importa nos juntemos à elas.

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