sábado, 26 de maio de 2012

Dinastia de Jesus, de James Tabor

Muito se pode crer sobre Jesus, há os que defendem a tradicional fé cristã, há os liberais que não creem nos dogmas dvinos sobre Jesus, há até mesmo os que dizem que não há provas de que o tal personagem Jesus existiu.
O livro "A Dinastia de Jesus" está na linha liberal, que crê na existência de Jesus, mas não no chamado Cristo da Fé cristã apostólica. O livro se propõem a trazer informações da real existência de Jesus, combatendo a negação de que Jesus de Nazaré existiu, mas também defende que a crença no Jesus unigênito do Pai é uma criação de uma cristologia posterior a Jesus e a seus seguidores originais.
Tabor inicia com um capítulo chamado "O Conto das duas tumbas", em que ele relata o encontro de um sitio arqueológico com uma urna funerária com os ossos de um tal: "Thiago filho de José irmão de Jesus", poderia ser esse sítio um lugar onde a familia real da casa de Davi teria sido enterrada?
Tabor vai mais além quando encontra uma outra tumba no bairro de Talpiot em Jerusalém, em que há a bombástica inscrição: "Jesus filho de José". Bastaria esses dados para escadalizar muitos cristãos, ou leva-los à completa descrença na ciência em nome da preservação de sua fé. Contudo a descoberta da tumba, embora deva levar os teólogos, historiadores e arqueólogos a investigar a questão da possiblidade de estarmos nos referindo ao Jesus chamado Cristo, há conclusões tradicionais que não podem ser descartadas a fim de explicar essas urnas.
Primeiro, o nome que se dava às pessoas representava a esperança que se tinha sobre a pessoa e o contexto vivido pelos seus pais. Então vejamos, os judeus viviam sob o jugo romano, um império com soldados conhecidos pela brutalidade para com aquele povo, o povo judeu viveu um longo período de grandes combates, com os descendentes do império grego de Alexandre, sobretudo as incursões de Antíoco IV.
Nesse período foi comum o desenvolvimento da esperança messiânica e escatológica, muitos judeus depositavam na fé em um messias salvador, a vinda do esperado e profético Dia do Senhor, o dia de justiça e de restauração do governo de Davi, rei de Judá.
Com toda essa efervecência religiosa e política, muitos pais colovam em seus filhos nomes como Jesus, que aponta para a palavra Salvação. Além de que José era outro nome comum, apontando para o filho de Jacó, patriarca das tribos de Israel. Na literatura brasileira, temos um texto famoso: "Morte e Vida Severina" de João Cabral de Melo em que ele mostra como essa situação de muitas pessoas com o nome parecido é comum. Ou seja, encontrar o nome de Jesus filho de José, com certeza deve ser alvo de investigação, mas não é um fato que serve de comprovação alguma para negar a fé na ressurreição. - inclusive o próprio Tabor relata que foram catalogados 6 ossuários com o nome Jesus e 2 desses eram filhos de José.
Tabor estuda a genealogia de José e Maria para iniciar um processo de reconstrução da linhagem davídica de Jesus. Já distante de uma discussão teológica dogmática, ele propõe que Maria tivera relações com um homem, por razões de que ninguém engravida sem que haja a participação de outra pessoa.
Tabor sugere que Maria poderia ter sido vítima de estupro de um soldado romano, ou mesmo houvesse tido relações sexuais por vontade própria.
Tabor continua seu livro revelando um número espantoso de filhos de Maria, sabe-se que Jesus tinha pelo menos 4 irmãos e 2 irmãs, embora uma tradição muito forte afirme a perpétua virgindade de Maria. Contra essa ideia, a própria Bíblia afirma nomes dos irmãos de Jesus, inclusive houve a possibilidade de que após a morte de José, Maria tivesse sido desposada por Cleófas, irmão de José. Pois aceita-se que José morrerá quando Jesus era ainda um adolescente.
Detalhando sequentemente o contexto político na Judéia com o governo de Herodes, Tabor apresenta a inquietação sobre uma linhagem real de Davi estar se formando e assim pondo em risco seu reinado. A casa real de Davi estava para ser restaurada, e a Bíblia mostra inclusive a polaridade dessa questão, em quanto que Herodes se apressava em tentar minar a vida dessa familia, Jesus, desprezava-o completamente.
Jesus era um homem judeu, educado na teologia dos fariseus, mas sua família, incluindo João Batista, tinha uma forte influência dos costumes essênios. Sobre João, novas descobertas afirmam ter encontrado a tumba deste profeta. E muito tem se debatido sobre sua relação com Jesus.
Quando Jesus tem seu encontro batismal com João, este já pregava sobre a vinda do Reino messiânico e já possuia vários discipulos. Tabor defende a ideia de que João era um mestre de Jesus e que eles dois juntos formariam a dupla de messias profetizados em manuscritos antigos dos essênios, um seria o messias sacerdotal, João, e o outro seria o messias real, Jesus, para isso Tabor usa o texto do profeta Zacarias 6.13, além do apócrio "Os 12 Patriarcas".
Tabor defende que Jesus, ao escolher doze apóstolos, tinha, de fato, em mente a ideia essênia de governo messiânico. Em que os doze governariam as doze tribos de Israel que seriam restauradas. Todavia, o projeto messiânico de Jesus estava na mira dos governantes, fossem eles do sinédrio (conselho religioso de Judá) ou dos governantes romanos (Pilatos e Herodes).
Tabor dedica-se a tratar da "semana santa", apresentando datas e até sugerindo que a tradição da crucificação na sexta-feira foi um equivoco, pois afirma que justamente naquele ano, a celebração da páscoa caiu numa sexta-feira, e que na mentalidade judáica, a páscoa também era chamada de sábado, defendendo assim que Jesus não ceiou a páscoa propriamente dita, pois a ceia pascal teria de ser com sua família e não somente com seus discipulos. Mas essa ceia teria sido numa quarta-feira. e na quinta ele foi crucificado.
Tabor passa a descrever os horrores da crucificação. Apresentando as formas de pregar a pessoa, as condições do crucificado enquanto agoniza, o tempo de demora para a morte (alguns levavam dias, vivos e pendurados). Em todo o sofrimento de Jesus, Tabor termina a descrição afirmando que Jesus tinha a esperança de que Deus o tirasse da cruz.
Após a morte de Jesus, discute-se sobre a tumba vazia. Afirma-se primeiro que o corpo fora retirado como um costume judaico, para que pudesse ser feito o enterro nos moldes tradicionais da familia judaica em outro lugar. Mas sugere também que o jardineiro local movera o corpo do lugar para evitar peregrinações. Após defender que o sumiço do corpo foi proposital, trata em seguida de quem seria o sucessor de Jesus.
Usando o Evangelho de Tomé, mostra que Jesus tinha em mente que Tiago, seu irmão, seria o lider do movimento messiânico. Mostra como Tiago foi o lider do movimento de Jesus, usa o texto de Atos em que apresenta, marginalmente, a liderança de Tiago no Concílio de Jerusalém. Diz que quando Paulo se converteu ao cristianismo, ele perverteu os ensinos de Jesus, dando enfase numa vida espiritual, ao passo que Jesus ensinava que o Reino de Deus seria terreno, e é assim que seu irmão ensinou após a sua morte, formando uma comunidade conhecida como os Nazarenos. Tabor afirma que Paulo, um homem que se dizia apóstolo, e que nunca esteve com Jesus, mas que tomava autoridade por causa de uma visão pessoal, ele combatia essa linha de nazarenos afirmando que eles eram inimigos da Fé.
Concluindo, Tabor afirma escrever o livro na busca do Jesus histórico, inclusive, a sua dedicatória é ao teólogo Albert Schwitzer que escreveu a obra "Em busca do Jesus Histórico". Nesse livro ele declara que as fontes usadas não são conclusivas, mas que a visão do passado precisa contar com a interpretação do historiador que criteriosamente faz uma seleção e até mesmo forja um julgamento do passado usando para isso a sua criatividade.
Não queremos dizer que as afirmações do livro devam ser vistas como mais um sensacionalista livro como o "Código da Vince" de Dan Brown, mas aqui teceremos algumas críticas ao modo como Tabor constroi sua argumentação.
O livro é válido quando se coloca na investigação de dados. Ele apresenta fontes oficiais ao cristianismo ortodoxo ou não, mostra dados arqueológicos e procura "ler" os dados e fontes tentando ir para o tempo em que foram compostas.
Todavia, em certos pontos ele age como um historiador positivista, deificando fontes. Há momentos em que ele coloca os dados como inquestionáveis, citando um pesquisador de uma urna ossuária que teria afirmado que se sua conclusões fossem falsas ele se demitiria; nos transmite a ideia de que "contra fatos, não há argumentos" o que não é verdade, pois os fatos antigos, são como os modernos, podem ser manipulados. Tabor insiste em se referir a Fonte Q, o possível mais antigo evangelho, a base para todos os outros. Todavia, até hoje, nunca se encontrou uma só cópia de qualquer parte desse documento. Na verdade Q é fruto de uma suposição de pesquisadores que não aceitam a originalidade de certos relatos evangelicos. Como historiador, não posso aceitar que tanta firmeza e tanta conclusão seja feita em torno de um documento que nunca se comprovou a existência, além do mais, esse tal Q surgiu em discussões modernas sobre a crítica textual, na história cristã nunca se congitou tal apócrifo, ou seja, sustentar várias teses sobre a historicidade de Jesus é um tanto especulativa e muito pouco acadêmica.
Outro ponto negativo é o tom emotivo, sem muito rigor historiografico. Há vários momentos em que o autor expressas suas sensações de descoberta, de juízo de valor. Entendo que se Tabor é um professor da Universidade da Carolina do Norte, e que por isso deveria prezar por mais rigor ao falar suas ideias.
Assim, o livro serve de instigação ao pensamento. Fazer-nos ponderar sobre como a fé foi elaborada, sobre possíveis pensamentos que não entravam em harmonia com com o pensamento apostólico. Porém, uma leitura atenta nos faz entender mais ainda sobre o propósito do autor James Tabor, sua busca em combater o cristianismo apostólico e em sugerir que a mensagem propagada por Jesus era muito mais humana e temporal que a mensagem da comunicação de um Deus que convida os homens à uma realidade eterna.
Como todo livro de história, a obra nunca é isenta de conceitos de quem o escreve, mas o próprio Tabor admite que seu livro é uma compilação de suas escolhas de fontes e de como interpreta-las. Um leitor não deve se fiar nas ideias e aceita-las como se fossem inerrântes, mas deve saber que, no caso, Tabor deseja despertar as mentes para seguir em busca de interpertação de dados que muitos querem apenas omitir.

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