- Pai, olha um moço caído ali no chão!
– Eu tô vendo, meu filho, mas num fica olhando pra ele não.
– Mas pai, por que é que a gente não para e ajuda ele?
– Porque a gente não pode meu filho.
– Mas por que a gente não pode?
– Não pode, porque não pode, eu tô no horário da Igreja, eu
não conheço ele, e a gente não pode se arriscar.
– É que hoje de manhã na classe, a tia contou a história do
bom samaritano, e eu achei que...
– É diferente meu filho, é diferente, agora deixa de
conversa.
- Moço, moço, o senhor tá vivo? Mas ele apenas gemia.
- Alguém ajuda aqui! Socorro, chama a ambulância!
Gritou, mas ninguém apareceu. Ela se abaixou, perguntou se
ele poderia andar, ao que gemendo respondeu que sim, balançando suavemente a
cabeça.
– Bora, eu te ajudo, a gente procura algum lugar para o
senhor se tratar. Mas ele mal conseguia pôr-se de pé.
- Vixe, o senhor não vai conseguir andar não; deixa que eu
te carrego mesmo.
Ela tirou o salto, deixou na calçada e o carregou aquele
homem por uns 3 quilômetros, até que avistou ao longe uma luz.
- Graças a Deus! Ali tem uma casa, a gente vai conseguir
ajuda, viu? Espera um pouco aqui.
Deixou o homem encostado num poste, e correu até a casa,
onde havia uma placa escrito: Casa de Oxum. Batendo na porta gritava:
- Alguém abre aqui, socorro, tô com uma pessoa ferida, me
ajuda!
A porta se abriu e uma senhora negra, baixinha atendeu.
- Senhora, pelo amor de Deus, me ajuda! Encontrei um moço
caído no chão lá trás, ele tá todo ferido. Eu chamei ajuda, mas ninguém
atendeu. Então, eu carreguei ele um tempão, tô cansada, moro longe, mas não
posso deixar essa pessoa nesse estado. Me ajuda pelo amor de Deus!
– Tenha calma, tenha calma, vá buscar o moço, traga ele aqui.
Eu nem tenho como chamar uma ambulância, mas aqui sempre tem quem ajuda.
Então, ela o carregou de novo até a casa, e a senhora a
ajudou a deitar o rapaz num sofá velho.
– Senhora, muito obrigado, eu parei porque precisava ajudar
esse coitado. Mas olha, eu nem posso ficar aqui não, eu não moro aqui, eu moro
longe. Tenho que pegar condução para voltar pra casa. É que amanhã eu preciso
trabalhar de novo. Mas olha, se a senhora puder ficar com ele aqui essa noite,
eu deixo dinheiro pra o que tiver que gastar com ele. Amanhã eu passo aqui de
novo, mais cedo; e se precisar eu pago o que gastar a mais. Eu vou deixar esse
dinheiro aqui, foi o que eu consegui essa noite.
- Eu sei como deve ser sua vida. Vá, minha filha, vá que
você precisa descansar.
O travesti se levantou, dirigiu-se até a porta e a senhora
falou novamente:
-Você sabe que não ganha nada com isso, não é? É difícil ver
alguém ajudar outro por nada.
– E quando foi que ganhei alguma coisa nessa vida, senhora?
Respondeu o travesti. – Acontece que quando eu o vi caído, pensei, “aqui tem
uma pessoa pra quem ninguém se importa. Alguém que é visto como lixo, como eu.”
As pessoas de família passam por mim, olhando com nojo. E foi justamente o que
eu senti quando olhei as feridas desse moço. Eu achei a situação dele parecida
com a minha. Pensei na mesma hora, “não posso fazer com ele o que fazem comigo.”
– É minha filha, ele é mesmo como um de nós. Ninguém liga,
todos desprezam. Mas vá, vá pra casa, que eu assumo daqui. Deus que te abençoe!
– A nós todos, a nós todos. Respondeu.
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